Do alto do prédio de número 240 da rua Mauá, Elaine aponta o edifício azul que fica bem atrás da estação da Luz, no centro de São Paulo, e mostra com orgulho o local onde vai morar neste mês, após três anos vivendo em uma ocupação. O apartamento, que será financiado pela CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano), é resultado de anos de luta no movimento sem-teto por uma moradia digna. Como boa parte dos ativistas do movimento, ela já morou na rua.
Mesmo com a conquista, a orientadora socioeducativa Elaine Alves Pereira, de 33 anos, diz que não vai abandonar os "companheiros". Na nova casa, ela irá morar com três dos seus quatro filhos, que têm idades entre nove e 17 anos. Integrante do MSTC (Moradores Sem-Teto do Centro) há nove anos, idade da sua filha caçula, ela estava junto às cerca de 300 pessoas que, há três anos, ocuparam o prédio vazio da Mauá.
A instalação que possui seis andares - por volta de 180 apartamentos, o equivalente a 30 por andar, mais de 1.000 moradores e, em média, seis banheiros coletivos por pavimento - foi, no século passado, um hotel.
Antes de chegar ao topo do Mauá, Elaine, que acompanha a reportagem do R7, vai conversando com os alguns dos moradores que compõe as 217 famílias do local. Numa dessas conversas, encontramos a comerciante Raquel Guimarães Dutra, de 32 anos. Ela é dona do restaurante existente no primeiro andar do prédio, que serve os moradores da ocupação. No espaço, que também possui uma doçaria, são servidas refeições durante o almoço.
- Estou há dois anos e meio na ocupação. É daqui [comércio] que tiro a minha fonte de renda. Com o dinheiro que ganho, sustento minhas duas filhas, meus dois netos e posso pagar uma funcionária, que também mora no Mauá.
Dois andares acima, Elaine apresenta à repórter a dona de casa Cacilda Pereira da Silva, de 25 anos. Ela já é mãe de quatro crianças – o mais velho tem oito anos e o caçula, nove meses – e ainda cria uma irmã, com a mesma idade de seu primogênito. Quando chegou ao Mauá, em dezembro de 2008, ela estava só com a roupa do corpo, com o marido e a companhia de seus pequenos.
- Antes de chegar aqui, pagava R$ 500 de aluguel em um lugar que ainda cobrava R$ 70 por cabeça para usar água. Um dia, teve uma enchente e tudo o que eu tinha foi perdido. Agora, eu e toda a minha família estamos na luta pela desapropriação [do edifício Mauá]. Graças a Deus estou aqui, senão, estaria morando na rua. Além do Mauá, Cacilda já participou de outra ocupação: a do prédio da rua Ana Cintra, esquina com a avenida São João, também na região central da capital paulista.
A sem-teto diz que conseguiu matricular toda a criançada na escola – detalhe bem complicado para quem é sem-teto.
- Mesmo assim, a minha filha de 4 anos está estudando longe daqui... E eu tenho de levá-la a pé. O ruim é que tenho de levar o menorzinho no colo, porque não tem ninguém para cuidar.
Emprego e filhos
Em uma casa também repleta de crianças, a reportagem encontra mais uma chefe de família: a diarista Roseny Maria da Conceição, de 30 anos. Assim como Cacilda, ela é mãe de quatro crianças pequenas, mas as cria sozinha, sem ajuda dos dois ex-maridos.
Para sustentar toda a família, ela trabalha como faxineira do Mauá, limpando os 4º e 5º andares do edifício. O seu salário é pago graças à contribuição mensal dos moradores da ocupação – os moradores fundaram a Associação Mauá.
-Antes eu lavava roupa, mas o valor que eu ganhava era muito pouco. Agora duplicou. E o bom é que posso ficar aqui, cuidando dos meninos.
Elaine, os empregos criados no Mauá são uma forma de fazer a economia “rodar” entre os moradores – sobretudo entre as mulheres que, muitas vezes, bancam a casa sozinhas.
-É a maneira que nós, pela associação, pensamos para ajudar essas mães, que não podem deixar os filhos em casa para trabalhar fora.
No mesmo andar, a reportagem encontra o produtor de moda Rogério Carlos Ferreira Silva, 44 anos – ou Roger Hevans, como prefere ser chamado.
No passado, ele produziu muitos desfiles de moda, com gente famosa. Atualmente, com sua máquina de costura, ele confecciona bolsas “ecologicamente corretas”, que são revendidas no Brás.
- Vim para cá com uma amiga, que já tinha ocupado o [edifício] Prestes Maia, também no centro. Pretendo ficar aqui até sair a desapropriação.
No fim da visita ao Mauá, a quem Elaine, a guia, chama de maneira espirituosa de “nosso Carandiru”, em alusão ao presídio que foi demolido em 2002, a organização do prédio é feita pelo espírito comunitário.
- É muita exclusão e discriminação com os moradores do centro, com os sem-teto. Por isso nos organizamos para mostrar ao povo que somos trabalhadores e não queremos nada de graça. Só a nossa casa.
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