Escolas impedem aulas de estudantes com deficiência



O artigo 2º do decreto federal 3.298, de 1999, afirma que "cabe aos órgãos e às entidades do poder público assegurar à pessoa portadora de deficiência o pleno exercício de seus direitos básicos, inclusive dos direitos à educação". Mas não foi o que ocorreu na escola pública Marina Cintra, localizada na rua da Consolação, no centro de São Paulo. Matheus Messias, que possui uma deficiência rara (causada pela má formação da coluna), só começou a estudar em 6 de maio, depois de uma liminar da Justiça.

Matriculado no colégio estadual, o menino da primeira série do ensino fundamental perdeu os primeiros três meses de aulas porque o colégio exigiu que seus pais estivessem presentes no horário escolar. Isso porque a deficiência impede que o garoto de sete anos controle seu sistema urinário e intestinal, o que requer um cuidador, ou seja, alguém que o acompanhe e cumpra tarefas como trocar suas fraldas.

A instituição de ensino não oferecia esse e outros itens para deficientes, como carteiras e banheiros adaptados. O pedido de um cuidador foi feito à escola inicialmente em fevereiro, mas os pais não foram atendidos. Eles, então, procuraram a Secretaria de Educação do Estado e também não receberam resposta. Por fim, após entrar na Justiça, eles obtiveram liminar no dia 19 de abril que aplicava multa diária ao governo do Estado caso as condições necessárias para o garoto estudar não fossem supridas.

Procurado pela reportagem do, o diretor do colégio Marina Cintra, Vladimir Fragnan, alega que os pais foram intransigentes e que a escola tinha como receber o garoto mesmo sem cuidador. Matheus assiste às aulas em uma carteira improvisada, que teve os pés serrados. A adequação da sala de informática, sem máquina especial na altura do menino, também está prometida para breve.

- Atendemos outros deficientes aqui e tínhamos carteira para ele [Matheus], mas não adaptada para o seu tamanho, porque ele é menor do que os outros. O que não havia era alguém para trocar a fralda. Por isso, pedimos à mãe para que viesse à escola para isso. O garoto só não começou a estudar em fevereiro porque os pais não quiseram.

O pai, Helton Messias, afirma que a experiência não foi nova. Para garantir os estudos do filho na escola anterior - o colégio Monteiro Lobato - também foi preciso entrar na Justiça. Matheus agora conta com a ajuda de uma auxiliar de enfermagem, paga pelo poder público. A mãe, Miriam de Fátima Santos, comemora que a lei tenha sido cumprida.

- Achamos um absurdo. Nem eu nem, meu marido temos condições de abandonar o trabalho para ficar com ele na escola. A lei determina um cuidador para acompanhá-lo, mas a escola não tinha. Além disso, não havia trocador, nem transporte, muito menos uma carteira adaptada.

Você acha que alunos com deficiência devem estudar em escolas comuns?

Mais de 85% de todas as escolas públicas brasileiras não têm condições de acessibilidade para deficientes, de acordo com o MEC (Ministério da Educação). Nos colégios particulares, o quadro é um pouco melhor, mas ainda preocupante - 70% deles não estão adaptados.

No caso do Estado de São Paulo, especificamente, há mais escolas acessíveis entre as públicas (21% têm rampas e outras adaptações) do que entre as particulares (16%).

Pelo portão da frente

É pelo portão da frente, que tem uma escada, e não junto dos outros alunos que Matheus chega à escola. Se o garoto ainda não divide a mesma entrada que os colegas, seus pais ao menos comemoram a decisão judicial que permitiu que ele pudesse ir às aulas.

A entrada de Matheus pelo lado com escadas tem um motivo: a rampa de acesso a deficientes estava fechada com um cadeado, segundo constatou o R7. A chave, justifica o diretor, fica com o perueiro que traz o garoto todos os dias.

Questionado sobre os danos ao aprendizado do menino, que perdeu três meses de aula, o diretor Fragnan afirma que Matheus não foi prejudicado e que ele está em fase de "integração social". Se for necessário, afirma o educador, haverá reposição de aulas aos sábados.

- Ele [Matheus] não está em processo de alfabetização, mas sim de integração social, por isso não será prejudicado.

Outros casos

Pelo menos 30 casos parecidos já foram identificados em São Paulo por Helton Messias, que após a experiência com o filho criou uma ONG (Organização Não Governamental).

- Quando sentimos o problema na pele, vemos que há mais gente na mesma situação. Tem muita criança querendo estudar e sendo rejeitada.

É o caso de Beatriz Ferreira, de 12 anos. Ela foi "convidada a se retirar" da escola estadual Rodrigues Alves, situada na avenida Paulista, área nobre da cidade. O colégio pediu que a mãe, Maria José Ferreira, transferisse a menina, que tem microcefalia e está na quinta série do ensino fundamental.

- A coordenação me chamou para dizer que não havia mais como receber minha filha porque ela não tem condições de aprendizado. Os professores disseram que não têm obrigação de cuidar de criança, que não é essa a função deles.

A diretora do colégio se recusou a dar entrevista, mas afirmou que foi dada apenas "uma sugestão à mãe", e que não houve imposição.

0 Response to "Escolas impedem aulas de estudantes com deficiência"

Postar um comentário