'Não me arrependo de nada do que fiz', diz autor da sapatada em Bush




A entrevista coletiva do então presidente norte-americano George Bush seguia em ritmo monótono no salão principal do palácio do presidente iraquiano Nouri al-Maliki, em Bagdá. Bush encerrava oito anos de governo prestando contas de um de seus maiores fracassos em sua política internacional.

A invasão do Iraque e a queda da ditadura de Saddam Hussein não tinham atingido os objetivos que o presidente americano esperava. E, pior, afundaram o país em uma guerra civil e em uma desordem que custaram a vida de milhares de cidadãos iraquianos e facilitaram a campanha do democrata Barack Obama nas eleições presidenciais daquele ano.

Foi quando ele entrou em cena: “Este é seu beijo despedida”, berrou, enquanto o presidente demonstrando agilidade entortou a cabeça para desviar de um sapato que por pouco não o acertou em cheio no nariz. “Isto é pelas viúvas e todos os mortos no Iraque”, gritou ele enquanto atirava o outro sapato, que também acabou não acertando George Bush.

Agarrado e preso por guardas palacianos de Maliki, o jornalista Muntazer al-Zaidi talvez ainda não tivesse noção ali de que aquele ato mudaria sua vida para sempre.
Levado direto para uma cela de uma penitenciária de Bagdá, al-Zaidi foi submetido a uma rotina de torturas, com direito a pancadas na cabeça e choques elétricos. Durante nove meses, ele ficou sem saber qual seria o seu destino. A pena inicial foi de três anos, depois reduzida para um ano e então convertida em liberdade por bom comportamento.

Quando botou os pés fora da penitenciária, o jornalista foi recebido como herói nacional, e sua imagem circulou pelo planeta chegando cercado de volta à redação da TV Baghdadya, onde trabalhava.

Simpatizantes de sua atitude retribuíram com dinheiro em forma de agradecer pelo que muita gente tinha vontade de fazer e que se sentiu vingado pela sua atitude. Sete meses depois de deixar a cadeia, Muntazer al-Zaidi deu entrevista ao G1, no sábado passado (24 de abril), logo depois de dar uma palestra em uma conferência organizada por jornalistas, em Genebra, na Suíça. Ele foi a atração principal de um encontro que reuniu 500 jornalistas de 80 países naquela cidade.

"Não me arrependo de nada do que fiz", disse. "Se aquele dia voltasse, eu faria tudo de novo, mesmo sabendo do que me aconteceria depois."

Zaid diz que momentos antes de atirar os sapatos, seus sentimentos eram de raiva pura. E que aquela foi a forma de protesto que ele encontrou para denunciar ao mundo os horrores que o Iraque vinha passando.

Ele demonstra até hoje muita raiva pelo Exército dos Estados Unidos, embora diga que não tem nada contra o povo americano.

"Nós (iraquianos) sentimos muito pelo ataque às torres do World Trade Center, assim como penso que muitos cidadãos americanos também sentiram pelas milhares de mortes que vem acontecendo até hoje em nosso país", disse.

O jornalista vive hoje no Líbano, onde ainda não decidiu se aceita um convite de uma TV local para voltar a trabalhar. Com o dinheiro que recebeu de doações, ele abriu uma ONG, a Fundação Zaidi, que hoje se dedica a ajudar viúvas e parentes dos mortos no Iraque durante e guerra.

Ele não pensa em trabalhar novamente no Iraque, por enquanto.

"O Iraque hoje é um dos lugares mais perigosos do mundo para se exercer o trabalho de jornalista. A morte de jornalistas hoje é rotina", relata.
Zaidi lembra de alguns truques que era obrigado a fazer quando trabalhava no país nos piores momentos da guerra.

"Eu vi soldados americanos matarem até crianças em jardins de infância", disse.

Para conseguir levar imagens para serem veiculadas na TV, ele escondia as fitas com as gravações nas meias ou nas calças, mas segundo ele, muitas vezes foi revistado e o material apreendido pelos soldados.

Durante os bombardeios ele percebeu uma coisa que lhe salvou a vida muitas vezes.

"Sempre que uma bomba explodia, vinha outra em seguida no máximo quinze minutos depois. Então o segredo era não chegar perto nunca depois da primeira bomba", disse.

Sete anos depois da ocupação americana, Zaidi compara o Iraque de 2003, sob a ditatura de Hussein, a hoje.

"Eu prefiro viver em uma tumba a um castelo cercado e sem liberdade", disse.

Ele não demonstra muita esperança nos futuros governantes do Iraque, mas defende uma retirada imediata das tropas americanas.

"Se alguma mudança tiver que ser feita, ela deve ser feita pelo povo iraquiano", disse.

Al-Zaidi ainda não decidiu se vai voltar ao Iraque.

Por enquanto, o projeto é o de escrever um livro contando sua história. A renda será investida na fundação.

Ele tem uma ideia fixa de que o momento é aproveitar os momentos da fama de “atirador de sapatos” para ajudar o seu povo. E como não poderia deixar de ser, ao saber que a origem do entrevistador a reação não poderia ser diferente da grande maioria dos estrangeiros.

"Adoraria conhecer o Brasil", disse. "Quem sabe um dia não vou lá e vejo uma partida de futebol?"

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