Para analistas, briga pelo dinheiro do pré-sal deixa de lado questões importantes

A disputa pelo dinheiro do petróleo entre Estados, município e União deu um passo à frente nesta semana no Senado e ainda terá lances na Câmara, no Planalto e, possivelmente, na Justiça, mas pode terminar, segundo especialistas, sem que questões fundamentais sejam resolvidas: como usar a riqueza para melhorar a vida dos cidadãos e como aumentar a arrecadação geral diante do esperado status de um dos grandes produtores mundiais de petróleo.

Na madrugada desta quinta-feira (10), a força de 25 Estados esmagou a resistência do governo federal e do Espírito Santo e Rio de Janeiro quando o Senado aprovou a distribuição mais equilibrada dos royalties do petróleo. Estão em jogo cerca de R$ 9 bilhões de reais por ano, que, pelas novas regras, vão reforçar o caixa de mais de 5.000 municípios.

A regras atuais determinam que os Estados e municípios onde acontece a exploração de petróleo, ou que estejam em frente às plataformas de exploração marítima, recebem a maior parte dos royalties, uma espécie de taxa sobre a produção. O governo federal fica com 40%, enquanto 22,5% vão para Estados e 30% para os municípios produtores. Os outros 7,5% são distribuídos para todos os municípios e Estados. Desde o ano passado, após proposta do deputado Ibsen Pinheiro (PMDB-RS), a distribuição igualitária entrou em discussão. Aprovado na Câmara, com alterações, no Senado, o projeto causou a revolta de Estados e municípios que dependem dos royalties atualmente.

A pesquisadora do setor de petróleo e gás da Fundação Getulio Vargas Adriana Perez avalia que toda a discussão está se dando em torno apenas da distribuição dos recursos, e que o país está perdendo a oportunidade de construir regras que possam elevar o volume do dinheiro do petróleo que pode ir para o poder público.

- A lei a participação no volume de produção, mas não destaca a rentabilidade de campo [de petróleo]. Talvez por um decreto presidencial se possa estabelecer uma taxação a mais para campos com rentabilidade elevada. Assim, no lugar de a arrecadação dobrar quando a produção aumente, ela pode crescer 2,5 vezes, por exemplo.

Segundo ela, essa regra diferenciada poderia servir como um freio para lucros excessivos das empresas exploradoras nos casos em que o preço do petróleo disparar. Se passasse de determinado nível, a participação do governo aumentaria. A especialista diz que isso faria com que aumentasse o bolo de recursos, o que permitiria uma distribuição mais eficiente.

Já o economista Cláudio Paiva, do Departamento de Economia da Unesp, diz que a distribuição ou concentração de recursos, independentemente de seu volume, pode não se traduzir em vantagens para o cidadão.

Ele estudou os casos dos dois municípios que mais recebem recursos de royalties pelas atuais regras, Macaé e Campos dos Goytacazes, no Rio de Janeiro, e afirma que houve inchaço da máquina pública e corrupção elevada ao mesmo tempo em que a educação e saúde estacionaram e a pobreza cresceu.

Para o especialista, espalhar esses recursos pelos Estados e municípios pode até servir como uma “subreforma tributária”, mas pode resultar apenas em diluição e reprodução dos erros.
- Se isso aconteceu nos município no interior do Rio de Janeiro, pode acontecer em mesmo grau ou até em maior grau de significância pelo país.
Ele defende que para a maior parte dos municípios o dinheiro a ser recebido pelas novas regras não terá grande impacto, entrando apenas para um caixa único onde a diferença será mínima.

Paiva defende a criação de um fundo nacional com os recursos, com recursos a ser distribuídos por Estados e Municípios de acordo com a prioridade de diminuição das desigualdades no país. Mesmo o fundo social aprovado no Senado, que utilizaria parte dos royalties, é muito diluidor, segundo ele, ao estabelecer inúmeras prioridades.

Além das questões de utilização dos recursos, a nova lei deve dar origem a uma batalha legal. Mesmo que seja sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ou que um eventual veto seja derrubado pelo Congresso, a lei é inconstitucional, na visão do tributarista Ives Gandra da Silva Martins.

- O parágrafo 1 do artigo 20 da Constituição determina que Estados e união têm participação nos recursos naturais no respectivo território, com compensação financeira. A não ser que eliminem o parágrafo, a lei deve ser derrubada no Supremo.

Ele explica que há um sentido na determinação constitucional, já que compensa os Estados produtores pela perda de ICMS sobre combustível. O imposto é cobrado no local de consumo, o que já distribuiria parte dos recursos do petróleo, às custas dos locais produtores.

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